sexta-feira, 7 de junho de 2013

Reflexões Acerca da Redução da Maioridade Penal


Muito tem se falado ultimamente sobre a questão da redução da maioridade penal por conta da quantidade de crimes hediondos que vem ganhando notoriedade nos noticiários e do discurso inflamado dos representantes midiáticos e dos revoltados com a impunidade tão presente em nosso país.  Gostaria de tecer alguns comentários sobre o tema e tentar explicar porque a redução da maioridade penal não vai resolver o problema da violência.

O principal instrumento que regulamenta os Direitos e Deveres das crianças e adolescentes no Brasil é o Estatuto da Criança e do Adolescente- ECA – que completará em julho próximo 23 anos, tendo sido muito criticado nos últimos tempos por conta de uma série de mudanças em nossa sociedade. O ECA tornou-se bode expiatório de toda violência cometida por adolescentes, de modo que muitos debates hoje giram em torno da alteração dessa legislação.

Do meu ponto de vista eu acredito que alguns pontos realmente precisam ser revistos, mas o ECA não é o culpado pela onda de violência, assim como o Código Penal Brasileiro também não o é.  O Estatuto da Criança e do Adolescente preconiza claramente que:


“Art. 7º A criança e o adolescente têm direito a proteção à vida e à saúde, mediante a efetivação de políticas sociais públicas que permitam o nascimento e o desenvolvimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.”



Desta forma, é dever do Estado dar condições a esses jovens para que se desenvolvam de forma sadia, o que sabemos que não ocorre na verdade. Se analisarmos o nosso contexto social atual perceberemos que há uma falência do serviço público prestado à população que mais precisa dele, em especial educação, lazer e saúde. A cultura do banditismo, das drogas, do “ser legal é ser bandido” tem se alastrado pelas comunidades como um câncer, levando jovens com pouca ou nenhuma perspectiva de futuro para o caminho do crime. 


As funções familiares, não apenas das famílias mais humildes embora sejam  as mais afetadas, estão fragmentadas, desestruturadas, deixando os jovens sem referencial paterno/materno. São famílias cujos membros são alcoolistas, usuários de drogas, ambientes permeados pela violência doméstica, pelo embotamento afetivo, pela incapacidade desses pais em orientar os filhos (onde muitas vezes nem eles foram orientados).

De outro lado encontramos o traficante, o bandido da comunidade imbuído de um grande poder simbólico, ostentando o poder de dar a vida e a morte através de suas armas ilegais, o medo e o respeito passado através de seu comportamento de juiz de rua, decidindo e ordenando na comunidade, desfilando com mulheres, carros e outros objetos de valor conseguidos através de atividades ilícitas.
Nesse panorama, com quem você acha que o jovem da comunidade vai se identificar? Quem será o herói para ele? É mais fácil estudar numa escola pública onde os professores ganham mal, onde tudo é sucateado, tendo que esperar anos até atingir uma mudança na sua realidade de vida ou simplesmente o dinheiro fácil proporcionado pelo tráfico que é muito mais rápido e atrativo?

Vivemos numa sociedade doente meus amigos, e essa doença está se espalhando pelos nossos jovens, matando-os. A falência dos sistemas punitivos é notória e torna-se mais um elemento dessa complexa equação, onde o órgão que deveria ser recuperador se torna mais um depósito de pessoas, tal qual eram os manicômios. Centros Educacionais (onde ficam os adolescentes que cometeram delitos) sem estrutura e com excesso de contingente funcionando de forma precária não são capazes de devolver a cidadania para esses jovens, se é que eles um dia foram orientados a compreender o significado dessas palavras.  
Como podemos dar algo que não conhecemos? Como posso ser cidadão se me sinto excluído, se não fui orientado sobre meu papel para o crescimento social da minha comunidade? Acabo por assumir o papel mais conveniente ou que outras pessoas me atribuem: bandido.



Os apresentadores de programas policiais e políticos corruptos inflamados em seus discursos por uma redução da maioridade penal, tentam convencer a população que o problema está no ECA, que encher os Centros Educacionais vá mudar alguma coisa e eu lhes digo que isto não é o caminho mais adequado. Concordo plenamente que nossa sociedade necessite de Leis mais rígidas, mas que também tenha estrutura para executá-las. Reduzir a maioridade penal é como receitar paracetamol para um câncer.

Deve haver uma revisão do ECA sim, acompanhada por profissionais que trabalham na área como Psicólogos, Assistentes Sociais, Pedagogos, dentre outros, mas principalmente o investimento em políticas públicas de base que não apenas forneçam uma melhor educação, mas uma estrutura para as comunidades mais carentes, com projetos para ocupar e ensinar a esses jovens, áreas de lazer e uma saúde melhor. Só assim começaremos a pensar numa mudança real e não um faz de conta apresentado por aqueles que defendem a redução da maioridade penal.


Referência Bibliográfica: 

Estatuto da Criança e do Adolescente. Lei Federal n°8069 de 13 de julho de 1990. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L8069.htm .


Nenhum comentário:

Postar um comentário