Imagine que seu filho esteja passando muito mal! Vomitando
sem parar, febre alta e fraqueza no corpo. Pra onde você deve seu filho? Duuuh!
Hospital! Por quê? Porque lá está cheio de experts em saúde (i.e., médicos e
enfermeiros) e eles certamente irão saber o que fazer com relação à situação do
seu filho.
Expertise é uma característica importante. Nós confiamos em
experts quando o assunto é algo que não dominamos bem. Contamos com a ajuda de
experts até mesmo quando o assunto é uma coisa que não acreditamos muito. Por
exemplo, em um estudo que publiquei em 2011 na revista Religion, Brain and
Behavior, mostrei que até mesmo quando se trata de um trabalho executado por um
pai-de-santo, levamos em consideração a expertise da pessoa e não simplesmente
a opinião de uma maioria que não entende bem do assunto. Existem várias
vantagens em recorrer a experts quando precisamos de ajuda ou opinião. Nos
poupa tempo e até salva vidas (imagine se você tivesse que aprender tudo sobre
medicina para ajudar seu filho…). Em outras palavras, pedir ajuda/opinião de
especialistas é algo bom e desejável. Não precisamos saber tudo o tempo todo.
Imagine agora uma outra situação. Aliás, imagine não!
Recorde. Em 2011, o deputado federal João Campos de Araújo do PSDB de Goiás
escreveu um Projeto de Decreto Legislativo (PDC 234/2011) que suspende dois
trechos da resolução do Conselho Federal de Psicologia (de 1999). É a tal da
“cura gay” (para saber exatamente o que é o projeto e o que ele significa para
a prática psicológica, confira o blog
Psicológico do colega Felipe Epaminondas). Em outras palavras, um
deputado federal que não é psicólogo propõe um projeto que interfere de maneira
direta na prática do profissional de psicologia.
Ok. Tudo bem. Ainda bem que para esses projetos, existem
revisores, que são pessoas que lêem o projeto e dão um parecer (opinião) sobre
o que é plausível e coerente no projeto. O revisor do projeto foi o deputado
federal Anderson Ferreira do PR de Pernambuco. Anderson Ferreira também não é
psicólogo. Mas deu um parecer favorável ao projeto. Segundo ele, “a Psicologia
é uma disciplina em constante evolução e tem diversas correntes teóricas, sendo
difícil determinar procedimentos corretos ou não, metodologias de trabalho
apropriadas ou não“. Enfim! Que tal consultar experts no assunto? Consultaram.
Os profissionais do Conselho Federal de Psicologia não só não apoiaram o
projeto como também lançaram uma campanha contra a sua aprovação. De nada
adiantou!
Deixa eu fazer uma analogia pra história mais clara: imagine
que seu filho ainda esteja passando mal e um amigo seu advogado diz pra você
dar suco de laranja pra ele beber que tudo vai ficar bem. Mesmo assim, você
resolve consultar um médico. Ele examina seu filho e diz que ele precisa ser
hospitalizado para fazer alguns exames. Então você simplesmente ignora a
opinião do médico e dá o suco de laranja pro seu filho beber e pronto. Mais ou
menos isso que aconteceu.
O que mais me surpreende é que esse é um padrão recorrente
na formulação das leis que são propostas no nosso país. Desde leis que proíbem
estrangeirismos na língua portuguesa, até leis que obrigam aulas de direção
durante a noite para que o condutor aprenda a dirigir melhor a noite. São raros
os casos em que a opinião do profissional, expert no assunto, é levada em
consideração na formulação das propostas de leis. É óbvio que mesmo entre os
profissionais haverá divergência de opiniões. O besta do Silas Malafaia por
exemplo, que também é psicólogo, certamente seria a favor do projeto de decreto
do deputado João Campos. Mas é exatamente por isso que existem conselhos e
organizações profissionais. Eles são responsáveis pela garantia e manutenção de
práticas que são consensuais entre os profissionais. Um médico que acha que
gripe deve ser curada com tapas na cara certamente não terá o apoio da maioria
dos médicos e, consequentemente, terá que se adequar ao regulamento do Conselho
Federal de Medicina.
Em parte do seu parecer, o deputado federal Anderson
Ferreira diz que o projeto “constitui direito do paciente buscar aquele tipo de
atendimento que satisfaz seus anseios“. O que o deputado parece não entender é
que o profissional é o psicólogo e não o paciente. O paciente não pode exigir
que psicólogo trate a homossexualidade do seu filho como se fosse uma doença.
Eu não vou chegar no consultório do meu médico e dizer: “olha doutor, estou com
um sangramento no nariz, mas não quero que esse sangramento seja tratado como
uma enfermidade. Por favor, trate meu sangramento como uma manifestação
divina.” Não é bem assim que a coisa funciona.
É bem verdade que ainda existe muita coisa que precisamos
entender sobre homossexualidade sob um ponto de vista científico. E estamos
caminhando bem nessa direção. E todo profissional sério deve expor isso ao
paciente. Se a mãe do Joãozinho chega no consultório chorando por que o
Joãozinho é gay e ela quer a cura, o papel do profissional é auxilia-la na
compreensão de que esse ainda é um assunto/fenômeno complexo e que não há
evidências que corroborem qualquer tipo de tratamento da homossexualidade como
se fosse um distúrbio ou doença. E mesmo aqueles psicólogos que acham que
homossexualidade é um distúrbio, enquanto isso não for consenso entre os
profissionais, ele deverá sim agir de acordo com o conselho que rege a
profissão. Se não quiser, que vá praticar outra coisa que não seja psicologia.
Se o projeto de decreto é, como diz o outro besta Marco
Feliciano, “um projeto [que] protege o profissional de psicologia quando
procurado por alguém com angústia sobre sua sexualidade“, então o mínimo que
ele deve exigir como presidente da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da
Câmara dos Deputados, é que os profissionais de psicologia participem de forma
mais ativa na discussão do projeto.
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