sábado, 26 de maio de 2018

O QUE É O TRANSTORNO BIPOLAR?

Ouço muitas pessoas no dia a dia se referindo a outras como "fulano é bipolar, uma hora faz uma coisa, outra hora faz outra" e comentários similares para tentar caracterizar o comportamento de alguém num quadro patológico. Hoje falaremos sobre o que realmente é o Transtorno Bipolar e como ele se manifesta. 



PARA ENTENDER O TRANSTORNO BIPOLAR

Quando as pessoas ouvem o termo "bipolar", o cérebro rapidamente associa a palavra a sua etimologia, ou seja, a algo que tem dois polos, duas manifestações diferentes e não está errado, contudo o transtorno mental é bem diferente dessas mudanças bruscas de comportamento. Para entender melhor vou explicar as principais características do Transtorno Afetivo Bipolar.

Uma das principais características do Transtorno Bipolar é a Mania. Quando a pessoa está nesse estado ela tem um comportamento expansivo, quer comprar tudo, quer fazer muito sexo, fala demais, trabalha demais, é inquieta, explosiva, irritável, a autoestima fica inflada (eu posso tudo, eu consigo tudo), as pessoas não conseguem acompanhar seu raciocínio e o próprio indivíduo não consegue pensar direito em certas ocasiões devido ao fluxo rápido do pensamento. Consequentemente, se o cérebro está funcionando acelerado assim, a pessoa dorme pouco, descansa pouco, e insônia acaba sendo outro sintoma. Esse estado não muda rapidamente, pode durar dias, semanas, por isso nada tem a ver com as observações do senso comum que as pessoas fazem. A mudança desse estado também não está ligada a nenhum fator externo, ou seja, a mudança é neuroquímica, ocorre no cérebro.

Outro ponto muito importante é que, em geral, pessoas que são diagnosticadas com TB(Transtorno Bipolar), fazem uso abusivo de drogas lícitas ou ilícitas, sendo as mais comuns o álcool, cigarro, maconha e cocaína. É muito comum essas pessoas já terem um hábito de usar essas substâncias muito antes de ter um diagnóstico clínico do problema. Lembro de alguns pacientes que usavam a maconha e o álcool para "relaxarem", ou seja, uma forma equivocada de aliviar os sintomas da mania, já que são drogas que deprimem o sistema nervoso central (reduzem sua atividade). 

No outro extremo está a depressão. Quando ocorre a mudança de fase, a pessoa sai daquele estado acelerado, inflado para um estado onde fica com a energia reduzida, sem força ou vontade para realizar suas atividades, com presença de um sentimento de tristeza e vazio. Mas nem sempre a mudança ocorre assim, de um polo para outro, muitas vezes a pessoa consegue ficar num estado de eutimia, ou seja, um humor "normal", onde os sintomas do TB não ocorrem com intensidade e não prejudicam as funções psíquicas e sociais.

AS CAUSAS

Apesar dos avanços científicos ainda é um terreno obscuro falar de causas específicas dos transtornos mentais. Sabe-se, entretanto, que existem vários fatores envolvidos. Dentre os transtornos mentais o TB é um dos mais influenciados por fatores genéticos. Estudos mostraram que se um dos pais tiver Transtorno Bipolar ou algum Transtorno Depressivo, existe de 10% a 25% de chances que o filho desenvolva o TB. Assim como existem fatores relacionados a alterações dos neurotrasmissores, alterações metabólicas e anatômicas do cérebro. Fatores psicossociais também tem relevância, quando eventos significativos na vida daquele indivíduo (como luto, problemas familiares, maus tratos na infância, relações interpessoais, mudanças drásticas no trabalho, etc). 

O DIAGNÓSTICO

Depois de ler esse texto é possível que alguns comecem a se autodiagnosticar ou a atribuir o TB a algum conhecido, parente, etc. Por favor não façam isso. Aqui eu tento explicar o que é esse transtorno com muitas simplificações, quando na verdade é uma patologia extremamente complexa e amplamente estudada. Só quem pode fazer o diagnóstico é um profissional médico qualificado. Psicólogos podem detectar, mas por Lei não podem fazer o diagnóstico. Se você acha que algum conhecido ou parente, ou mesmo você pode ter esse transtorno, busque um profissional qualificado. 

RISCO DE SUICÍDIO

O risco de suicídio em pessoas com TB é comum, uma vez que é um transtorno que gera vários prejuízos para o funcionamento do indivíduo, tanto pessoal quanto social, além de que é possível que a pessoa que tem TB desenvolva outros transtornos. A pessoa pode ter TB e transtorno de ansiedade, por exemplo. E quanto mais sofrimento mais potencializa o surgimento de pensamentos e atos suicidas. Sabemos, através dos estudos que o risco de suicídio de quem tem TB é de 20 a 30 vezes maior quando comparado a pessoas que não tem essa psicopatologia. Em torno de 60% dos pacientes apresentam ideação suicida, em geral aqueles que demoraram muito a buscar tratamento, tem comprometimento nas funções laborais, sociais, familiares, tem outros transtornos associados (como dependência química, ansiedade, por exemplo). Aproximadamente 15% dessas pessoas cometem suicídio, o que é um número muito expressivo. 

O risco de suicídio é muito alto quando o transtorno não é tratado ou é tratado de forma inadequada ou o paciente resiste ao tratamento. Ainda existem outras questões associadas como apoio familiar, trabalho, doenças crônicas. Quando o tratamento é bem executado e quando o paciente se engaja o risco de suicídio é muito baixo. 

TRATAMENTO

O tratamento do TB é feito com acompanhamento psiquiátrico, onde o médico psiquiatra irá prescrever medicações para aliviar e controlar os sintomas seja da fase maníaca ou depressiva. É fundamental que o paciente siga a risca e tome adequadamente os medicamentos prescritos. Aliado a isso existe o tratamento psicológico, onde esse profissional vai trabalhar os fatores comportamentais e interpessoais daquele paciente, ensinando a lidar com os sintomas, a modificar  hábitos disfuncionais e encontrar respostas melhores para situações limite. Somando-se a isso é importante que a família seja esclarecida e de também o suporte necessário ao paciente. Quando todos fazem a sua parte o prognóstico é animado e aquele indivíduo pode ter uma vida normal, fazendo aquilo que gosta. Importante também dizer que o TB não tem cura e que o tratamento é permanente. Muitos pacientes melhoram depois de um ou dois meses de tratamento e param, o que potencializa o reaparecimento dos sintomas e de novas crises. 


REFERÊNCIAS:

Souza, Fábio GM. (Org.). Você tem transtorno bipolar? Fortaleza: Premius, 2017.

American Psychiatric Association. Manual diagnóstico e estatístico de transtornos mentais DSM-5. Porto Alegre: Artmed;2014.

Souza FGM. Tratamento do transtorno bipolar   - Eutimia. Rev Psiquiatr. Clín. 2005;32 (Suppl.10):63-70.

Lex C, Bazner E, Meyer TD. Does stress play a significant role in bipolar disorder? A meta-analysis. J Affect Disord. 2017;208 (August 2016): 298-308.

Berutti M, Dias RS, Pereira VA, Lafer B, Nery FG. Association between history of suicide attempts and family functioning in bipolar disorder. Journal of Affective Disorders. 2016;192:28-33.

Nery-Fernandes F, Miranda-Scippa AMA. Comportamento suicida no transtorno afetivo bipolar e características sociodemográficas, clínicas e neuroanatômicas associadas. Rev. Psiquiatr. Clín. 2013 [cited 2017 Feb 02] ; 40 (6):220-224.

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