segunda-feira, 9 de setembro de 2019

ENTREVISTA NA RÁDIO UNIVERSITÁRIA SOBRE O SETEMBRO AMARELO

Nesse mês de setembro são realizadas uma série de ações como palestras, rodas de conversa, entrevistas, etc, todas visando divulgar a causa da prevenção do suicídio, informar e esclarecer a população acerca desse fenômeno e como buscar ajuda para si mesmo ou para alguém que esteja precisando. Estive na rádio universitária da Universidade Federal do Ceará para gravar uma entrevista com a jornalista Carolina Areal, no qual eu esclareci muitos desses pontos. Deixo abaixo a entrevista transcrita na íntegra.





CAROLINA: O Setembro Amarelo é realizado desde 2015 e é uma campanha de prevenção do suicídio. Neste mês, ações de promoção a saúde mental ganham força e o trabalho de centros que oferecem ajuda a quem precisa recebe mais destaque. Leonardo, qual o impacto da campanha Setembro Amarelo ao longo desses 4 anos? 

LEONARDO: Na verdade, essa data de 2015 é nacional, mas desde de 2007 com a criação do PRAVIDA como programa de extensão da Universidade Federal do Ceará temos atuado em prol da prevenção do suicídio. E desde 2009 o PRAVIDA realiza em setembro a Caminhada pela Vida como forma de chamar a atenção das autoridades e de sensibilizar a população para a problemática da prevenção de suicídio. Então são 10 anos de mobilização em prol da vida. Eu estou no PRAVIDA desde 2016 e nesse período eu já pude constatar uma mudança muito expressiva. Quando eu era aluno do curso de psicologia, eu passei anos na universidade e nunca tive uma aula sobre suicídio, nunca vi uma palestra, nada. Zero de informação. E psicologia, um curso onde você cuida do bem estar mental do outro, deveria ter isso. Mas no meu tempo, em meados de 2001 isso ainda era muito tabu, em pleno século 21! Mas eu acredito piamente, que o trabalho do PRAVIDA foi fundamental para reverter essa triste realidade. Eu percebo uma crescente mudança inclusive acadêmica onde as faculdades e universidades estão abrindo espaço para palestras, cursos, formações, onde esse tabu vem sendo substituído pelo conhecimento cientifico. E mais que isso, percebo a adesão de diversos setores da sociedade, engajados e abertos para discutir estratégias para ampliar a prevenção de suicídio, não apenas na cidade de Fortaleza, mas também no Estado do Ceará como um todo. E o PRAVIDA foi o grande responsável, pois acolhe extensionistas de todas as faculdades, de diferentes categorias profissionais, desempenhando um trabalho interdisciplinar. E a sociedade tem entendido mais a importância de debater o tema, as pessoas tem, a cada ano, ampliado sua participação na nossa caminhada anual em prol da vida e isso é maravilhoso. Sempre pensamos e nos preocupamos em como não apenas mobilizar as pessoas para a causa da prevenção do suicídio, mas também em como podemos estender isso ao maior número de pessoas possível. Então eu fui parte dessa história e pude ver como aumentou esse engajamento, das pessoas, dos profissionais, das entidades e organizações. Então são 15 anos de PRAVIDA, desses são 10 anos de Caminhada do Pravida buscando sensibilizar a sociedade e são 3 anos que eu posso compartilhar dessas mudanças e contribuir para esse programa tão lindo que é o PRAVIDA.



CAROLINA: De acordo com a Organização Mundial da Saúde, mais de 90% dos casos de morte por suicídio estão associados a distúrbios mentais. Leonardo, que ações preventivas são fundamentais para reverter esse quadro?

LEONARDO: Eu e o Dr. Fábio costumamos dizer que é 100%, porque na nossa prática clínica, todos os pacientes, sem exceção, que estão com ideação suicida ou que tentaram suicídio em algum momento tem algum tipo de transtorno mental. O grande desafio em relação aos transtornos mentais é o diagnóstico e o tratamento. Nem sempre o diagnóstico é feito, porque nem sempre existe uma procura pelo tratamento ou por profissionais especializados. Tive um paciente, por exemplo, que foi para a igreja, não resolveu, comprou livros de auto ajuda, não resolveu, foi para o centro espírita, não resolveu.  Não conseguia mais trabalhar nem desempenhar suas atividades. Depois de 6 meses, finalmente ele teve a consciência que precisava buscar um psicólogo e foi quando eu comecei a trata-lo. O tempo que ele levou até decidir buscar ajuda profissional foi até razoável, algumas pessoas levam anos para fazer isso. E alguns morrem antes de fazer, justamente porque não buscaram um profissional capacitado. Depois de alguns meses meu paciente estava bem, era outra pessoa, retomou sua vida e segue muito bem. Mas o diagnóstico é importante para entender como aquela pessoa funciona. Você não é a depressão, você está com transtorno depressivo, por exemplo. E sabendo como a depressão se manifesta sabemos como tratar, sabemos como orientar a família e o próprio paciente acerca do seu problema. E o tratamento é justamente o cuidado com esse diagnóstico e com o paciente, através de medicamentos prescritos pelo médico psiquiatra e através do processo de psicoterapia, realizado pelo psicólogo. A adesão ao tratamento é fundamental para que o paciente se reorganize e possa viver bem. Alguns transtornos mentais podem ser evitados, na medida que o indivíduo tenha uma boa qualidade de vida, alimentação saudável, pratique atividade física, evite uso de drogas, evite o abuso do álcool, evite situações contínuas de estresse e desgaste físico e emocional, tenha momentos de lazer e socialização com seus amigos. Tudo isso pode auxiliar na prevenção não apenas de alguns transtornos ou pelo menos minimizar seus efeitos, como facilitar a prevenção do suicídio.



CAROLINA: No Brasil, 32 pessoas morrem por suicídio por dia, o que equivale a uma pessoa a cada 45 minutos. No mundo, uma pessoa morre por suicídio a cada 40 segundos. Que estratégias devem ser usadas para evitá-lo?

LEONARDO: A primeira são essas campanhas informativas como o setembro amarelo, para conscientizar a população, para trazer informações claras e respaldadas nos estudos científicos. Essa é a porta de entrada para alguém que está em sofrimento, com pensamentos de morte, buscar efetivamente ajuda. Depois é preciso haver políticas públicas eficazes: treinamento técnico para os profissionais de saúde, da educação e de outras áreas onde haja necessidade. Fortalecer e ampliar a rede de saúde mental, melhorando a estrutura dos CAPS, dos centros de distribuição de medicamentos para pacientes do CAPS. Temos uma estrutura que precisa ser melhorada, é importante que haja mais investimentos em saúde mental. Para além disso temos a conscientização individual. Primeiro tendo bons hábitos de saúde, para evitar a incidência de transtornos mentais. Segundo, no caso de haver um possível transtorno buscar os profissionais capacitados para tratar e aderir ao tratamento. Ainda existe a predominância de uma cultura machista onde o homem tem que sofrer sozinho e calado e que buscar esse tipo de ajuda é sinal de fraqueza. Mas na medida que aquela pessoa não procura ajuda por conta da fantasia de que isso possa afetar sua masculinidade ela abre a possibilidade para vivenciar mais dor e até mesmo, tentativas de suicídio. Como profissional de saúde eu afirmo, não é sinal de fraqueza nem demérito ir a um psicólogo, psiquiatra e falar dos seus problemas, falar de como se sente, para que junto a esse profissional você possa encontrar formas mais adaptadas de lidar com seus problemas e ter uma vida mais equilibrada. Nós também incentivamos que as pessoas conversem, que os alunos conversem mais com seus professores e vice versa, que as famílias estejam mais abertas ao diálogo, porque ele é uma ponte importante para entender o que pode estar acontecendo com o outro. Não apenas isso, a socialização é importante para nos tirar de uma possível ilha de isolamento onde cada vez mais as pessoas se inserem. ]





CAROLINA:Quais os principais mitos que envolvem a morte por suicídio?

LEONARDO: Vou falar um pouco dos mitos que eu considero mais relevantes. O primeiro é uma noção que as pessoas tem no senso comum de que o suicida só quer chamar a atenção. Na verdade é a forma que a pessoa encontrou de pedir ajuda, pois quando ela fala que a vida não vale a pena ser vivida, que ela deseja morrer ela está te informando claramente que ela está em sofrimento. Então quando alguém diz que quer se matar é preciso haver uma escuta, um acolhimento e uma ação para direcionar aquela pessoa. E aí puxamos também outro mito, de que o suicídio vem sem aviso, que é um ato impulsivo. Algumas pessoas podem sim cometer atos impulsivos que leve a morte delas, mas o fenômeno suicida se manifesta de várias formas, deixando várias pistas. A pessoa que está pensando em cometer suicídio ela avisa, mas é preciso estar atento a esses comportamentos. Principalmente mudanças muito evidentes, isolamento, tristeza intensa durante um longo período, agressividade, mudanças significativas no apetite e no sono. E mais ainda as frases de alerta, quando a pessoa deixa claro, verbalmente que gostaria de morrer, que preferiria estar morta. E por fim, muitos pensam que falar sobre suicídio é um incentivo ao ato. Esse é um grande mito, porque falar sobre o problema, permite que a pessoa expresse seu sofrimento, fale de como se sente e isso abre a possibilidade dela encontrar apoio e ajuda profissional. Logo, falar é fundamental para quebrarmos esse tabu e facilitar com que as pessoas possam ser ouvidas na sua dor.



CAROLINA: Na campanha vocês falam em 4 Ds. Quais são os 4Ds?

LEONARDO: Os 4 Ds são: Depressão, desamparo, desespero e desesperança. A depressão nesse caso pode ser tanto o transtorno depressivo quanto um sentimento de tristeza profunda, isso porque é importante deixar claro que nem todo paciente que tem depressão tem ideação suicida, embora a depressão esteja associada ao suicídio. Mas o fato é que a pessoa está vivenciando uma dor emocional profunda, e essa dor gera os pensamentos de morte como forma de se libertar. O desemparo é a sensação de isolamento, de sentir que está sozinho e que não há ninguém para ajudar. Por isso é importante ter uma postura acolhedora com alguém que está em sofrimento psicológico, fazer essa pessoa sentir que alguém ali está preocupado com ela e com seu bem estar. O desespero é a sensação de angústia que domina a pessoa, um mal estar emocional tão intenso que em muitos momentos é difícil suportar e acontece mais durante à noite. Se aquela pessoa tem alguém para conversar essa angustia pode ser esvaziada um pouco e há um alívio, daí a importância de podermos ouvir um pouco o outro para ajudar nesse processo. A desesperança é a sensação de que não há o que ser feito, de que aquilo nunca vai se resolver, que a situação não vai mudar. Nem todas as situações mudam e nem sempre podemos muda-las, isto é um fato, todavia podemos nos mudar e alterar a forma como lidamos com elas. E um dos processos fundamentais para isso é o tratamento, principalmente o fazer terapia com um psicólogo. O processo de terapia vai atuar nos 4 Ds, para minimizá-los e auxiliar o indivíduo a sair da crise e recuperar seu equilíbrio.



CAROLINA: Quais os grupos e centros que oferecem ajuda para pessoas com pensamentos suicidas?

LEONARDO: Na rede pública, a porta de entrada são os postos de saúde, os PSFs. Mas a pessoa pode buscar o CAPS da sua região para ser avaliado e receber o tratamento. Além disso temos o Instituto Bia Dote, que realiza atendimento e acolhimento gratuito dessas demandas. O PRAVIDA, do qual faço parte não é uma porta de entrada direta. Isto porque somos um programa de extensão da universidade e recebemos demandas de Fortaleza e de todo Estado do Ceará, o que é impossível de dar conta. Por isso capacitamos outros serviços para que possamos dividir essa carga. Para o paciente chegar ao PRAVIDA ele precisa ser encaminhado de outros serviços específicos, principalmente do IJF com o qual temos uma importante parceria. Além desses locais temos as clínicas escolas das faculdades de psicologia espalhadas pela cidade. No caso da pessoa poder arcar com o tratamento particular ela deve procurar um psicólogo ou psiquiatra.





CAROLINA: Como um parente ou amigo pode identificar que alguém está passando por problemas e ideias suicidas? Como evitar que isso se concretize?

LEONARDO: A pessoa que está com ideação suicida ela apresenta uma série de mudanças de comportamentos. Os mais evidentes são isolamento, alterações no apetite e no sono, na libido, agressividade, tristeza muito persistente durante um longo período, queda no rendimento das atividades, sejam escolares, seja no trabalho. Essas pessoas podem, em algum momento, não conseguir mais exercer suas atividades cotidianas, seja cuidar da casa, estudar trabalhar, isso é um comportamento bem evidente e que sinaliza que algo está errado. Outra forma de detectar é a partir do que a pessoa fala. Falar muito em morte, no desejo de morrer ou estar morto é um importante sinal. Sinais mais sérios como encontrar cartas de despedida, ou no caso da pessoa começar a se desfazer de seus pertences já é um alarme de que algo muito sério está acontecendo e uma providência precisa ser tomada para preservar a integridade daquela pessoa. O suicídio, em mais de 90% dos casos pode sim ser evitado, quando há a detecção do problema e logo em seguida o paciente ser encaminhado para o tratamento. Tendo o devido apoio familiar, aderindo ao tratamento e seguindo as orientações dos profissionais psiquiatras e psicólogos, o paciente sai da crise e é capaz de retomar sua vida.



CAROLINA: Qual a importância de falar sobre o suicídio?

LEONARDO: O suicídio sempre foi um grande tabu na sociedade ocidental, por se tratar de um ato muitas vezes violento e incompreensível. As pessoas tentam entender porque aquele ato ocorreu, mas esse entendimento nunca chega a uma resposta definitiva, o que alimenta uma série de fantasias acerca daquela morta. Além disso, a dor da perda por suicídio que se instala depois é incomensurável. E assim, as pessoas iam escondendo sua dor, sofrendo sozinhas. E assim, foi nascendo o tabu em falar sobre o suicídio, pois o fato de não conseguir entender e explicar o problema gerava o medo de replicá-lo, ou seja, as pessoas também tinham medo que falando isso pudesse gerar mais suicídios. Mas isso é um engano. É preciso falar sim sobre a dor emocional, sobre o sofrimento psicológico, pois quando você falar, você não apenas está tirando algo que iria se acumular dentro de você, mas também está dividindo com alguém esse peso. Dividir essa dor ajuda a suportá-la. Para além disso, falar vai deixando claro o quanto aquela pessoa precisa de ajuda profissional, visto que hoje sabemos que um dos grandes fatores de risco para o suicídio é existência de um transtorno mental. E o que é um transtorno mental? Depressão, esquizofrenia, transtornos de ansiedade, de personalidade, de dependência química. E somente com tratamento adequado e especializado é possível tratar e devolver a qualidade de vida para essas pessoas. E quando falamos para alguém que pensa em tirar a própria vida para buscar ajuda, estamos abrindo essa porta, estamos dando essa possibilidade de que a morte não é a solução, mas que existem outras soluções possíveis. Daí a importância de campanhas como essa do setembro amarelo. Então quanto mais a gente falar, explicar, mais as pessoas vão assimilar que não precisam sofrer caladas e que podem buscar ajuda.

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