Aproveitando a deixa do último artigo, hoje pretendo tratar de um tema bastante delicado e cheio de tabus por parte da sociedade: o suicídio. Nesse artigo vou tecer algumas idéias acerca do tema, a partir das minhas leituras, do meu conhecimento profissional e da minha experiência como psicoterapeuta.
O suicídio sempre existiu na humanidade, se manifestando de formas diferentes em cada cultura e sociedade, de acordo com as demandas de cada período. Temos como significativa expressão do suicida o povo japonês. Na época feudal os samurais japoneses praticavam o sepukku, termo que significa literalmente "cortar o estômago", um modo de suicídio por autoestripamento.
Originalmente o sepukku era realizado apenas pelos samurais que seguiam um rígido código de honra e podia acontecer de três formas: para o samurai não cair nas mãos do inimigo, para evitar desonra caso ele tivesse cometido algo vergonhoso ou como pena de morte por algum crime. Então, se o samurai tivesse algum comportamento inadequado para a época, ele deveria cometer o sepukku, caso contrário, seria desonrado, um pária na sociedade feudal japonesa. Esse tipo de suicídio ritual consistia em enfiar sua espada no abdômen, realizando um corte da esquerda para a direita abrindo completamente a barriga, na frente de vários espectadores.
Já na Segunda Guerra Mundial os japoneses utilizaram os seus kamikazes, pilotos que cometiam suicídio ao usarem os seus aviões para afundar navios e atingir alvos durante o conflito. Kamikaze significa "vento divino" e vale salientar que era um termo utilizado pelos aliados. Motivados para lutar contra uma ameaça maior, colocavam em xeque a própria vida em prol de um objetivo maior, a vitória na guerra e a glória da sociedade japonesa, deixando assim de lado todos os anseios pessoais.
Temos também uma cultura de suicídio na Grécia antiga, onde várias mitologias se desenvolvem em cima do tema, a verdadeira tragédia grega. Deixo o link desse artigo que fala um pouco sobre isso:
Mas e a nossa cultura, a cultura ocidental? Principalmente aqui no Brasil o suicídio é visto como uma prática condenável, tanto pela sociedade quanto pela religião. Segundo o Vaticano, o Quinto Mandamento "Não Matarás", tem os seguintes desdobramentos:
"Cada qual é responsável perante Deus pela vida que Ele lhe deu, Deus é o senhor soberano da vida; devemos recebê-la com reconhecimento e preservá-la para sua honra e salvação das nossas almas. Nós somos administradores e não proprietários da vida que Deus nos confiou; não podemos dispor dela."
"O suicídio contraria a inclinação natural do ser humano para conservar e perpetuar a sua vida. É gravemente contrário ao justo amor de si mesmo. Ofende igualmente o amor do próximo, porque quebra injustamente os laços de solidariedade com as sociedades familiar, nacional e humana, em relação às quais temos obrigações a cumprir. O suicídio é contrário ao amor do Deus vivo."
"Se for cometido com a intenção de servir de exemplo, sobretudo para os jovens, o suicídio assume ainda a gravidade do escândalo. A cooperação voluntária no suicídio é contrária à lei moral." [1]
"Cada qual é responsável perante Deus pela vida que Ele lhe deu, Deus é o senhor soberano da vida; devemos recebê-la com reconhecimento e preservá-la para sua honra e salvação das nossas almas. Nós somos administradores e não proprietários da vida que Deus nos confiou; não podemos dispor dela."
"O suicídio contraria a inclinação natural do ser humano para conservar e perpetuar a sua vida. É gravemente contrário ao justo amor de si mesmo. Ofende igualmente o amor do próximo, porque quebra injustamente os laços de solidariedade com as sociedades familiar, nacional e humana, em relação às quais temos obrigações a cumprir. O suicídio é contrário ao amor do Deus vivo."
"Se for cometido com a intenção de servir de exemplo, sobretudo para os jovens, o suicídio assume ainda a gravidade do escândalo. A cooperação voluntária no suicídio é contrária à lei moral." [1]
Desta forma fica claro o posicionamento da Igreja Católica Apostólica Romana sobre a questão, uma vez que Deus lhe deu o dom da vida não lhe é permitido tirá-la, nem a de seu próximo, nem a sua. O Espiritismo tem uma lógica similar, afirmando que o suicida sofre uma terrível pena por consumar esse ato tão perverso, é enviado a uma "dimensão" chamada Umbral onde permanece imerso em sofrimento e dor, revivendo a dor da morte e tendo sua alma atormentada por outros suicidas.
Já no Islamismo, o suicídio tampouco é permitido. Para eles, o martírio perante Deus que venha a ceifar a própria vida não é considerado suicídio, dessa forma lutando num conflito até a morte pela "causa divina" não seria considerado suicídio. Entretanto os atos de martírio onde os islâmicos detonam bombas para matar várias pessoas, consumindo sua própria vida no processo, é sim considerado suicídio pelo Islamismo. O que ocorre é que os líderes desses grupos como o Hamas, o Hezbollah, a Jihad Islâmica e a Al-Qaeda, exercem uma forte influência cultural e espiritual sobre seus membros, distorcendo os preceitos do Islamismo e encorajando esse tipo de ato, o sacrifício da própria vida para encontrar o paraíso das virgens.
Fica evidente como as religiões rejeitam a ideia do homem ceifar a própria vida, acredito que isso vem como uma forma de autopreservação, de conservação do bem mais precioso que temos, mesmo que de uma forma inconsciente.
E O SUICÍDIO NA NOSSA SOCIEDADE?
Depois desse preâmbulo sobre como as religiões veem o tema, podemos finalmente tecer alguns comentários sobre o suicídio na atualidade, sobre as crises existenciais, sobre os transtornos psicológicos e as motivações dos suicidas.
Diversos transtornos psiquiátricos podem levar ao suicídio, mais comumente as pessoas associam a Depressão como principal causa de suicídio, mas não é bem assim. Sabemos pela prática clínica que quadros depressivos podem sim gerar ideações suicidas, mas nem sempre isso é indicativo que vá ocorrer o suicídio. Outros quadros psiquiátricos são passivos de uma incidência até maior de suicídio, como surtos psicóticos, por exemplo, mas infelizmente não podemos afirmar categoricamente tal fato pela falta de dados estatísticos precisos.
A dificuldade em se estudar esse fenômeno é todo o tabu e preconceito que o cercam, pois como já foi mostrado pelo pensamento religioso acima o suicidar-se é reprovável em nossa sociedade e é visto como algo que deve ser escamoteado, talvez pelo medo que a morte causa, talvez pelo choque da forma como o suicida se matou. Há um pensamento de que a divulgação do suicídio irá estimular outros, um raciocínio que eu, como profissional da Psicologia acho falho. É como dizer que ver pessoas fumando fará você fumar, mesmo sabendo que aquilo é nocivo. Dessa forma, os casos de suicídio que chegam ao Sistema de Verificação de Óbito de Fortaleza (SVO, o necrotério), nem sempre são tratados como tal no obituário, constando outro fator para causa mortis. Isso é bem mostrado pelo Dr. Cleto em sua pesquisa sobre o suicídio na cidade de Fortaleza, um estudo dos suicídio nesses últimos 50 anos. Se a pessoa se mata jogando gasolina e ateando fogo em si mesma, deveria constar "Suicídio por imolação por fogo", ao invés de "Morte por distúrbio hidroeletrolítico", no caso de um tiro na cabeça, ao invés de "suicídio por arma de fogo" coloca-se "morte devido a projétil de arma de fogo" e assim por diante.
Mas excluindo os transtornos psiquiátricos, o que leva uma pessoa a se matar muitas vezes é um ato impulsivo, onde o sujeito está passando por alguma situação da qual não consegue sair e o estresse gerado pode fazer com que essa pessoa haja precipitadamente. Vemos muitos casos na TV onde o sujeito sobe em torres ou fica na beirada de prédios, mas no fim não se mata ou não esboça o real desejo de morrer. As pessoas falam "Esse aí só queria chamar a atenção". O que ele queria era uma solução para algum problema sério, uma dificuldade que causou um desespero tão intenso que o fez a tomar aquela atitude impensada.
Temos visto também alguns casos de jovens que tem se suicidado por conta do fim de relacionamento afetivo. Esse tipo de suicídio merece algumas reflexões. Primeiro, vamos assumir que o suicídio foi motivado pelo fim do relacionamento, não existindo anteriormente qualquer transtorno psiquiátrico associado (Depressão, esquizofrenia, transtorno de personalidade, demência, transtornos de humor, etc). O rompimento de um relacionamento tem essa força para levar o jovem a se suicidar? Isso vai depender do histórico dessa pessoa, da estrutura familiar onde cresceu, do suporte que teve dos pais durante seu desenvolvimento e da forma como interpreta as relações interpessoais.
Se há, por exemplo, histórico de rejeição, abandono, negligência, é bem provável que a dor da separação daquela pessoa cuja a afeição era tão importante para si seja algo insuportável e a falta de mecanismos psicológicos e familiares para lidar com isso leve a pessoa a um ato impulsivo de se matar. A dificuldade em lidar com as perdas, a ausência da família e o sentimento de desamparo extremo são capazes de gerar um sentimento de vazio que pode culminar em algum transtorno depressivo transitório, mas também podem ser o estopim para um comportamento impulsivo que leve ao suicídio. As pessoas cada vez se apegam mais as outras esquecendo de si mesmas, se doando excessivamente e negligenciando seus próprios anseios, e quanto isto lhe é tirado (fim da relação) só resta o vazio.
O suicídio muitas vezes é motivado por esse vazio existencial, por essa angústia enlouquecedora que nossa sociedade provoca com suas relações frágeis e efêmeras, por essa desvalorização cada vez maior do ser humano. Nossa sociedade está adoecida e nós adoecemos junto com ela, o suicídio é apenas mais um dos sintomas disso.
Esse assunto é muito complexo e podemos falar sobre bastante coisa, prometo escrever mais sobre isso no futuro, principalmente sobre os tipos de suicídio e de estratégias para evitá-los. Quaisquer dúvidas, postem nos comentários ou mandem e-mail.
REFERÊNCIAS:
Pontes, Cleto Brasileiro. Suicídio em Fortaleza: Estudo de 50 anos. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2008.
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