sexta-feira, 29 de agosto de 2014

SITUAÇÕES EXTREMAS: ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO

O que ocorre conosco quando somos submetidos a situações inesperadas, a algo que nos leva ao limite emocional, que eleva ao máximo os níveis de alerta do cérebro e desafia toda experiência negativa pela qual já passamos antes? Nesse artigo, vou falar para vocês o que é e como ocorre o Transtorno de Estresse Pós-Traumático.

É sabido que as emoções influem no funcionamento do corpo, não apenas na saúde, mas também na doença, podem ser emoções agradáveis ou desagradáveis e desempenham um papel não apenas fisiológico como também motivacional. São as emoções que nos impulsionam para a realização de nossas atividades diárias, das nossas metas, dos nossos sonhos, embora também se tornem obstáculos quando se fala de medo, insegurança e ansiedade. A emoção é sentida pela pessoa ao mesmo tempo em que o corpo responde fisiologicamente, ativando áreas específicas do cérebro e liberando diferentes substâncias na nossa corrente sanguínea. 

Segundo Ballone: 

"Dentro das emoções negativas, uma das reações emocionais que mais se tem estudado é, sem dúvida, a ansiedade. Este é um estado emocional reconhecidamente associado a múltiplos transtornos. Uma segunda emoção negativa que está sendo muito estudada é a raiva, por sua estreita relação com os transtornos cardiovasculares. Finalmente, a tristeza e sua representação psicopatológica, a Depressão, até pelo fato desta se acompanhar, em geral, de altos níveis de ansiedade."

Assim, cada emoção desencadeia reações diferentes em nosso corpo, fisiológicas e comportamentais, de acordo com a situação vivenciada pelo sujeito. A questão desse artigo é: e quando é um evento traumático, que consequências ele terá sobre a pessoa?


O QUE É O TRAUMA?

A palavra "trauma", do ponto de vista semântico, vem do grego trauma (plural: traumatos, traumas), cujo significado é “ferida”. A terminologia trauma em medicina admite vários significados, todos eles ligados a acontecimentos não previstos e indesejáveis que, de forma mais ou menos violenta, atingem indivíduos neles envolvidos, produzindo-lhes alguma forma de lesão ou dano. 

Conforme o dicionário da infopedia, trauma, tem seu conceito psicológico:
"Acontecimento emocionalmente doloroso que torna o sujeito particularmente sensível em situações similares"

O trauma psicológico é algo particular para cada indivíduo. A vida nos trás inúmeros prejuízos durante o curso de nossa existência, cada situação é vivida de uma forma diferente por nós com base em como aprendemos a lidar com nossos problemas e situações estressoras. Desta forma o que pode ser algo extremamente para uma pessoa para outra pode ser uma situação ruim facilmente superável. 


AS GUERRAS E OS ESTUDOS EM PSICOLOGIA

O período das guerras, principalmente a Primeira e a Segunda Grande Guerra Mundial foram importantes para o desenvolvimento de vários estudos na área da psicologia, psiquiatria e medicina. Os psicólogos começaram a analisar como poderia alocar melhor aqueles homens o que fez nascer o que no futuro seria chamado de Orientação Vocacional. Contudo o que nos interessa nesse período é saber dos estudos conduzidos com os combatentes que retornavam do campo de batalha. Fosse com o sem traumas físicos (amputações, incapacitações físicas) estava claro que havia algo de errado com a mente daqueles homens. Muitos acordavam a noite gritando, se escondiam embaixo de suas camas, saíam gritando no meio do almoço como se estivessem sendo perseguidos. A guerra havia destroçado suas mentes. 


O trauma mental ocasionado por viver em constante situação de estresse, medo, angústia deixou marcas permanentes no psicológico desses soldados, muitos nunca mais tiveram uma vida normal. Psiquiatras e Psicólogos que estudavam essas reações perceberam um padrão: angustia, medo, ansiedade, em alguns casos até mesmo alucinações estavam presentes. Alguns apresentavam tremores incessantes, tiques, mutismos e outros sintomas difusos. Um conhecido caso extremo disso é o chamado Shell Shock (algo como choque na casca), resultado do nível altíssimo que o soldado era submetido e que seu emocional não suportava desencadeando uma espécie de somatização, ou seja, o emocional transbordando para o corpo físico. Segue um vídeo sobre o shell shock:



Muito embora a ideia do Transtorno do Estresse Pós-Traumático tenha sido um conceito desenvolvido a partir de 1980, nas classificações internacionais (CID.10 e DSM.IV), que permitiu unificar uma série de categorias de transtornos emocionais reativos a acontecimentos traumáticos anteriormente dispersos na classificação psiquiátrica.


O TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO

Esse quadro é característico principalmente devido a um fator externo que desencadeia o trauma, um fator estressante que leva o sujeito além do seu limite de suportar algo aversivo o que o leva a um quadro complexo e cuja a evolução pode ser rápida e danosa se não diagnosticada e tratada. 

Segundo Ballone e Moura:
"a influência da severidade das agressões no risco de desenvolver o Transtorno do Estresse Pós-Traumático. Dab (1987) assinala que a gravidade das seqüelas físicas é proporcional à importância do dano físico e que 80% dos feridos graves desenvolvem um Transtorno do Estresse Pós-Traumático. A comorbilidade do Transtorno do Estresse Pós-Traumático com Transtorno Depressivo também é maior nessas pessoas, sobretudo quando se compara a incidência de 21,8% de depressão nos sujeitos severamente feridos, que corresponde a 2,6 vezes mais que nas pessoas feridos levemente ou não feridos (Bouthillon, 1992)."


Significa dizer que quando maior e mais severa a agressão ou dano físico sofrido pelo sujeito, estatisticamente falando, mais a probabilidade de desenvolver o transtorno e não apenas isso, ocorrer também outros transtornos em concomitante como transtorno depressivo e mesmo transtorno de ansiedade generalizada. 


O leitor deve estar se perguntando se só combatentes de guerras sofrem com esse tipo de transtorno e a resposta é não. Vítimas de acidente, tortura, agressões, perseguições, sequestros, incêndios, atentados podem desenvolver o transtorno de estresse pós-traumático.




Algumas manifestações do transtorno são:

1. Atitude psíquica de reviver o trauma, através de sonhos e de pensamentos durante a vigília; 
2. Comportamento de evitação persistente de qualquer coisa que lembre o trauma e embotamento da resposta a esses indicadores; 
3. Estado afetivo hiperexitado persistentemente. 
4. Sentimento de tristeza, ansiedade, culpa, medo, raiva podem estar presentes.
5. Alucinações, delírios ou paranóia podem estar presentes.

Além disso algumas profissões sofrem mais com esse transtorno, profissões onde o nível de estresse e alerta do sujeito são constantes. Acertou quem pensou "policial", mas também, bombeiros, seguranças, pessoas que lidam com valores altos ou que estão sujeitas a violência.


UM CASO DE TRANSTORNO DE ESTRESSE PÓS-TRAUMÁTICO

Eu atendi um caso deste tipo em que um jovem adolescente com menos de 15 anos brincava com o melhor amigo manuseando a espingarda "cartucheira" do avô, uma arma rudimentar e instável. Eles miraram para um lugar seguro e apertaram o gatilho. Como não houve disparo acreditaram que a arma estaria descarregada e continuaram brincando com ela. Quando o jovem mirou na cabeça do outro, ele nem precisou tocar no gatilho, a arma disparou acidentalmente atingindo a cabeça do melhor amigo que caiu banhado em sangue e morto. O jovem foi encaminhado para tratamento comigo. Passou a ser introspectivo, isolou-se socialmente, apresentava melancolia frequente, seu rendimento escolar caiu e passou dois meses sem ir a escola. 

Aquele jovem se culpava constantemente pela morte do amigo, que era quase como um irmão de criação, e revivia a cena do disparo em sua mente o tempo todo. Desenvolveu sentimentos de menos valia, ou seja, passou a não se valorizar enquanto se culpava cada vez mais. Entretanto, devido ao início precoce do tratamento foi possível reverter esse quadro após 1 ano de psicoterapia, impedindo que o adolescente entrasse em depressão ou algum quadro ansioso. Minha experiência com esse jovem foi enriquecedora pois fui capaz de ajudá-lo a reestabelecer contato consigo mesmo e com a comunidade ao qual ele se isolara. Retornou a escola, suas notas melhoraram, recuperou a autonomia de si, ganhou confiança e aprendeu com a experiência negativa que viveu, nunca mais querendo contato com armas de fogo e sabendo respeitá-las. Hoje ele vive bem e não desenvolveu nenhum tipo de transtorno, tendo saído do quadro de transtorno de estresse pós-traumático e recebido alta.


Uma coisa é certa, ele nunca esquecerá o que aconteceu, mas foi capaz de superar esse evento traumático de uma forma positiva a partir do tratamento. Detalhe é que não foi necessário o uso de qualquer medicação. No caso dele apenas a psicoterapia foi capaz de lhe devolver o equilíbrio emocional necessário para continuar sua vida.

Para finalizar, as maiores vítimas desse tipo de transtorno hoje são as pessoas que vivenciam a violência urbana, acidentes de todo tipo e tortura. Procure um psicólogo para superar esses traumas antes que eles evoluam para outras psicopatologias.



Referências:

trauma In Infopédia [Em linha]. Porto: Porto Editora, 2003-2014. [Consult. 2014-08-29]. Disponível em
URL:http://www.infopedia.pt/lingua-ortuguesa/trauma;jsessionid=sTQYK6pUiHJxzyCyoAFVEA__>.

http://www2.datasus.gov.br/DATASUS/index.php?area=01

http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1516
44462003000500014&lng=pt&nrm=iso

http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=25

http://www.psiqweb.med.br/site/?area=NO/LerNoticia&idNoticia=69



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